Acurácia do Doppler para diagnóstico de doença arterial periférica
1 INTRODUÇÃO
A doença arterial periférica (DAP) é caracterizada pelo estreitamento da luz arterial, decorrente da formação de placas ateroscleróticas, com redução do fluxo sanguíneo para as extremidades.
As placas ateroscleróticas podem surgir em uma ou mais artérias dos membros inferiores e, com a progressão da doença, a restrição ao fluxo sanguíneo vai se tornando cada vez mais significativa. Em casos avançados, ocorre a oclusão do vaso (Beard, 2000).
A DAP tem prevalência de 18% em pacientes com 50 anos de idade, chegando a 29% em pacientes com mais de 70 anos. (Aboyans et al., 2018) A incidência tem sido crescente nas últimas décadas, sendo resultado do aumento populacional, do envelhecimento da população e do aumento da incidência de diabetes mellitus e tabagismo (Fowkes et al., 2013). Atualmente, observa-se maior prevalência em homens nos países desenvolvidos e maior prevalência em mulheres nos países subdesenvolvidos (Conte et al., 2019).
Os fatores de risco para o surgimento da doença são aqueles que propiciam o desenvolvimento de aterosclerose, sendo que os principais são idade avançada, tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemias, diabetes mellitus, obesidade, sedentarismo e história familiar (Conen et al., 2009). Como a aterosclerose é um processo sistêmico, os pacientes com DAP apresentam risco aumentado para doenças coronarianas e cerebrovasculares e, com isso, maior risco de mortalidade (Ismail et al., 2015).
A claudicação intermitente do membro inferior é o sintoma mais comum. É caracterizada por dores em grupos musculares ocasionados pela isquemia durante a atividade muscular e com melhora após a cessação das atividades, geralmente próximo de dez minutos. Nos primeiros estágios da doença, quando as lesões arteriais tendem a ser menores e em menor quantidade, as dores surgem apenas para caminhadas mais longas. Com a progressão da doença e a redução do fluxo sanguíneo, as dores surgem em caminhadas para pequenas distâncias (Cao et al., 2011).
Com a progressão da aterosclerose, a perfusão da extremidade vai se tornando cada vez menor e surge a dor em repouso. Decorrente da isquemia tecidual nas porções mais periféricas do membro, manifesta-se inicialmente por dor constante nos dedos e dorso pé mesmo durante o repouso, podendo progredir, em um segundo momento, para segmentos mais proximais à medida que a isquemia vai se agravando.
Além disso, devido à isquemia, podem surgir lesões teciduais espontaneamente ou decorrentes de pequenos traumas. O processo isquêmico faz com que os tecidos fiquem fragilizados, com a imunidade diminuída e com cicatrização comprometida. Fatores que, também, favorecem o aparecimento de infecções nos locais das lesões e aumentam as perdas teciduais (Welch, 1997).
Portanto, a apresentação clínica dos pacientes com DAP é bastante ampla. Varia desde os pacientes com quadros assintomáticos até os pacientes com lesões teciduais extensas. Pacientes com baixa mobilidade podem não se queixar de claudicação, geralmente o primeiro sintoma da doença, pela pouca atividade muscular. Além disso, a apresentação clínica e as alterações do exame físico decorrentes da isquemia, relacionam-se diretamente com a variabilidade da extensão das lesões arteriais, segmento arterial acometido, associação de lesões arteriais, presença de oclusões e lesões calcificadas.
Ao exame físico, os pacientes com DAP apresentam diminuição ou ausência dos pulsos, podendo apresentar, associadamente, diminuição de temperatura, cianose, espessamento ungueal, rarefação dos pelos e lesões teciduais com características isquêmicas.
De acordo com os sinais e sintomas, os pacientes são classificados em categorias que se relacionam diretamente com a severidade da doença. A escala mais utilizada é a de Rutherford. Nela, os pacientes são alocados em uma, dentre sete categorias clínicas, podendo migrar entre elas, de acordo com a evolução e tratamento da DAP (Rutherford et al., 1997).
Classificação de Rutherford
- Categoria 0 – Assintomático;
- Categoria 1 – Claudicação leve;
- Categoria 2 – Claudicação moderada;
- Categoria 3 – Claudicação severa;
- Categoria 4 – Dor em repouso;
- Categoria 5 – Lesão trófica pequena;
- Categoria 6 – Necrose extensa.
O diagnóstico da DAP é essencialmente clínico, por meio das queixas relacionadas com a isquemia (claudicação intermitente, dor em repouso e a presença de lesões tróficas com atraso da cicatrização) associadas à alteração dos pulsos distais. Nos casos de dúvidas diagnósticas, exames complementares são utilizados.
O primeiro passo do tratamento da DAP, independentemente da gravidade, é o controle da doença aterosclerótica (Piepoli et al., 2016). Nesse contexto, é necessário o controle dos fatores de risco modificáveis, como a suspensão do tabagismo, o controle da hipertensão arterial sistêmica, do diabetes mellitus e das dislipidemias. Além disso, o uso de estatinas, antiagregantes plaquetários e medicações vasodilatadoras, associado com a marcha programada são essenciais para a melhora clínica do paciente (Lane et al., 2014).
Dos pacientes com claudicação intermitente, 50% terá melhora do quadro álgico com o tratamento clínico, 25% permanecerá no mesmo estágio da doença e 25% deles irá cursar com piora dos sintomas (Dormandy et al., 1999).
Os procedimentos de revascularização dos membros inferiores são indicados para os casos mais graves. Quanto maior o comprometimento isquêmico, maior é o benefício frente aos riscos da revascularização. A revascularização, restabelecimento da circulação distal, se faz por meio dos procedimentos de angioplastia transluminal percutânea ou de cirurgias reparadoras. Para esta, são descritas as endarterectomias, relacionadas à retirada das placas ateroscleróticas, e os enxertos arteriais, que desviam os segmentos comprometidos, fazendo uso de substitutos arteriais, como próteses e veias (Siracuse et al., 2016).
No contexto da revascularização, se enquadram os pacientes com dor em repouso e lesões tróficas. Sabidamente, esses pacientes não vão apresentar melhora clínica, melhora da dor e cicatrização das lesões, se o fluxo distal não for minimamente restabelecido. O uso das medicações mencionadas anteriormente, apesar de serem indicadas, não são resolutivas para esses pacientes.
Os pacientes com claudicação limitante e, principalmente, os pacientes com claudicação grave, pouco responsivos ao tratamento clínico, também são candidatos à revascularização. Nesses casos, deve-se ponderar com mais cuidado os riscos de complicações frente ao sucesso da revascularização. É possível que, durante a manipulação das artérias, necessária durante a revascularização, haja comprometimento do leito arterial distal, ocasionado, por exemplo, por ateroembolismos ou dissecções, com piora da isquemia e que, se associados ao insucesso do procedimento, levariam os pacientes a graus mais avançados na classificação de Rutherford, como presença de dor em repouso ou necrose dos dedos.
Durante a revascularização dos pacientes claudicantes, pode haver a necessidade de acessos cirúrgicos pela diérese dos tecidos na parte distal do membro. Caso haja insucesso da revascularização, os pacientes antes classificados nas categorias de claudicantes, passariam para as categorias de portadores de lesões tróficas. Logo, essas lesões causadas pela tentativa frustrada da revascularização não cicatrizarão, devido ao comprometimento circulatório, aumentando fortemente a possibilidade de amputação do membro.
Em pacientes com doença avançada, sem condições técnicas para a revascularização, está indicada a amputação do membro. Apesar de emocionalmente e fisicamente traumáticos, esses procedimentos trazem alívio para os sofrimentos vividos continuamente pelas dores e feridas intratáveis. Posteriormente, esses pacientes podem passar por reabilitação para o uso de próteses que substituem o membro amputado. É um caminho longo de adaptação para a retomada das atividades cotidianas.
Como exames diagnósticos complementares iniciais, os Guidelines atuais recomendam a realização do índice tornozelo-braquial (ITB) ou hálux-braquial, variante do ITB, e a Ultrassonografia Vascular com Doppler (UVD) (Aboyans et al. 2018). Ambos são exames não invasivos. O ITB faz uso da comparação da pressão arterial aferida na extremidade distal do membro inferior com a pressão aferida no membro superior. Através de relações pré-estabelecidas entre esses valores, podemos confirmar o diagnóstico da DAP. A UVD é um exame de imagem, diferentemente do ITB, que, pelas tecnologias envolvidas com a Ultrassonografia e o uso do efeito Doppler, é capaz de localizar, delimitar e quantificar cada uma das lesões arteriais; além disso, descreve o tipo de fluxo nas artérias avaliadas, adicionando detalhes importantes para a caracterização da doença (Santili et al., 1996).
Ademais, a UVD apresenta benefícios adicionais: está facilmente disponível, pode ser realizado à beira do leito, sem o deslocamento do paciente, não é invasivo, dispensa o uso de radiação ionizante e de meios de contraste. Suas principais limitações decorrem de ser um exame operador dependente, de apresentar dificuldade na visualização e avaliação das artérias em pacientes obesos, na presença de interposição de gás intestinal e na presença de calcificações na parede arterial (Conte et al., 2019).
Nos casos em que não há dúvidas em relação ao diagnóstico clínico da DAP e é imperativa a necessidade de revascularização do membro, outros exames são necessários. Esses exames de imagem devem evidenciar, com qualidade suficiente, toda a circulação arterial e a conexão das artérias distais das pernas com os pés para que se possa avaliar a melhor estratégia para a revascularização do membro.
Para isso, o exame padrão referência é a arteriografia. No entanto, é um exame invasivo e que faz uso de meios de contraste. Além deste, são possíveis a angiotomografia, preferencialmente, e a angiorressonância, sujeita a interferências na distinção entre artérias e veias. Porém, esses dois métodos também utilizam meios de contraste para geração das suas respectivas imagens.
Considerando a prevalência da DAP, do fato de acometer principalmente idosos e das complicações relacionadas à invasividade do exame padrão referência e a utilização de meios de contraste por todos eles, é de extrema importância que se possa saber a acurácia diagnóstica da Ultrassonografia Vascular com Doppler, que é um exame não invasivo, não utiliza contraste, e que consegue trazer informações relevantes para o detalhamento das lesões arteriais.
2 OBJETIVO
O objetivo de nossa revisão sistemática é determinar a acurácia diagnóstica da Ultrassonografia Vascular com Doppler, teste índice, com a arteriografia, padrão referência, para os diagnósticos de estenoses e oclusões arteriais em pacientes com doença arterial periférica sintomática.
3 REVISÃO DA LITERATURA
A doença arterial periférica é causada pela aterosclerose que restringe o fluxo sanguíneo. Inicialmente, as lesões ateroscleróticas apresentam alterações somente ao nível celular, com a formação das estrias gordurosas. Com a progressão da doença, as lesões avançam para a luz do vaso e começam a interferir mecanicamente no fluxo sanguíneo (Beard, 2000).
As deformidades da parede do vaso, decorrentes da aterosclerose, ocorrem na camada íntima e média da artéria, poupando a camada mais externa, adventícia. Essas deformidades podem ter predomínio de crescimento para a luz do vaso, lesões concêntricas, ou expandir-se predominantemente em direção à adventícia, chamadas de lesões excêntricas. Ambas vão comprometer a luz do vaso, mas as lesões concêntricas são as primeiras a gerar este estreitamento (Li et al., 2010).
O estreitamento da luz do vaso é nomeado de estenose. As estenoses são habitualmente medidas pela comparação com a luz arterial proximal normal. Portanto, quanto maior a perda da luz, maior é o grau de estenose. Sendo nessa perda da luz que o sangue vai encontrar resistência mecânica ocasionando restrição de fluxo distalmente.
A Ultrassonografia gera imagens das estruturas profundas, através das ondas mecânicas de ultrassom emitidas, refletidas, captadas e processadas. Nesse processo, as ondas mecânicas são geradas por energia elétrica, fenômeno chamado de transformação piezoelétrica (Satomura, 1959).
No princípio, o efeito Doppler era utilizado em aparelhos para criação de sons que demonstravam o fluxo sanguíneo, até então inaudíveis aos seres humanos. Com a evolução, os sons passaram a ser representados graficamente por espectrometria.
Ao longo dos anos, esses dois sistemas, a Ultrassonografia e o Doppler com espectometria, foram incorporados em um mesmo aparelho, tornando as máquinas de Ultrassonografia capazes de analisar fluxo sanguíneo pelo efeito Doppler com imagem em tempo real do vaso analisado (Sigel, 1998).
Portanto, as informações trazidas pela UVD são geradas por três modos de imagem, sendo eles: o Modo B; Modo Color Doppler; e Análise Espectral. Esses dois últimos utilizam o efeito Doppler para a análise da velocidade do fluxo sanguíneo.
O Modo B – imagem em tempo real criada pelas ondas de ultrassom – utiliza escala de cinza para representar as estruturas insonadas e, desta forma, apontar a localização precisa dos vasos analisados. Associando-se o uso do efeito Doppler, são reproduzidos mais dois modos de imagens: o Modo Color Doppler e Modo da Análise Espectral (Kaneko, 1986).
O Color Doppler faz a colorização tendo como parâmetro a velocidade média do fluxo sanguíneo dentro do vaso analisado.
A Análise Espectral mostra – graficamente e em ponto específico do vaso – a velocidade do fluxo sanguíneo. O Modo Color Doppler permite inferir, pela representação colorizada da velocidade sanguínea, a média da velocidade em determinado segmento do vaso e assim permite a comparação de velocidade entre segmentos. Tradicionalmente, as médias mais altas de velocidade são representadas por cores mais vermelhas e mais brilhantes. Dessa forma, o Modo Color Doppler auxilia na localização das velocidades mais altas, permitindo a realização da Análise Espectral em local mais preciso e demonstrando o valor exato da velocidade sanguínea.
A estenose da luz arterial provoca, nesse ponto, o aumento da velocidade do fluxo sanguíneo. Quanto maior a estenose, maior será a velocidade. A proporção do aumento de velocidade é tradicionalmente obtida pela comparação com o segmento arterial mais proximal e sem a presença de estenose. Distalmente ao ponto de estenose, ocorre o amortecimento do fluxo, de forma proporcional ao grau de estenose, com retardo da aceleração e consequente diminuição da velocidade de pico sistólico. Esse princípio físico é bem compreendido pela mecânica dos fluidos e comprovada também para a hemodinâmica – mecânica do fluxo sanguíneo (Curry, 1978).
Nos trajetos onde há oclusão arterial, não se espera encontrar velocidade de fluxo durante a realização do exame, mas distalmente o fluxo pode ser observado. Esse fluxo sanguíneo ocorre por reenchimento da luz arterial por artérias colaterais. Essas apresentam fino calibre e dão pouco aporte sanguíneo. Dessa forma, os fluxos distais a oclusões arteriais apresentam velocidades muito baixas e com retardo da aceleração – razão da velocidade pelo tempo.
Atualmente, dispomos de mais dois exames para avaliação de estenoses e oclusões: angiotomografia ou angiorressonância magnética. A angiotomografia gera imagens pela utilização de Raio-X e a angiorressonância pela indução de movimento de elétrons nas moléculas de água.
Assim, a angiotomografia e a angiorressonância magnética geram imagens dos vasos e das lesões ateroscleróticas, sendo possível quantificar as estenoses, e identificar as oclusões arteriais. Para tanto, os exames necessitam de meios de contraste sanguíneo, pelos quais podem ser geradas imagens com qualidade minimamente suficiente para avaliação da doença aterosclerótica.
Ambos não fazem avaliação da velocidade de fluxo sanguíneo para avaliar as estenoses e oclusões, e sim a redução da luz do vaso.
Esses dois métodos de imagem são importantes em momentos relevantes da evolução da doença, tais como na avaliação de órgãos profundos, locais onde a Ultrassonografia Vascular com Doppler perde qualidade ou até mesmo é inacessível. Para o planejamento das revascularizações, etapa na qual é necessário observar com qualidade suficiente a conexão das artérias da perna com as do pé, e onde até o momento, a Ultrassonografia Vascular com Doppler não se mostrou equivalente.
A arteriografia, padrão referência, é um exame que faz a avaliação da luz arterial. Pela injeção do contraste radiopaco, seguido da radiografia, é demarcado todo o trajeto circulatório e seus limites com regiões não contrastadas. No entanto, a técnica do exame exige que o contraste seja injetado em vaso proximal aos segmentos a serem avaliados. Caso contrário, o meio de contraste é dispersado e fica muito diluído para que sirva de anteparo para o Raio-X (Giargiana, 1973).
Esse exame deve ser realizado com o uso de, pelo menos, duas incidências para cada segmento arterial avaliado. Sabe-se que, quando utilizada apenas uma incidência, existe o risco de não serem diagnosticadas lesões que deformam a luz do vaso em um único plano.
Apesar de ser atualmente o padrão referência, o exame é considerado invasivo. A invasividade e, consequentemente, os riscos à saúde estão presentes em vários momentos do exame. Podemos citar, como exemplo, o acesso para atingir a luz arterial, que geralmente se dá por introdutores para servir de caminho para cateteres e guias. Esses introdutores têm calibre relativamente importante, que, depois de retirados, deixam uma lesão orificial na parede arterial com possível surgimento de pseudoaneurismas – complicação que pode levar o paciente para reparo cirúrgico da artéria (Albert, 1957).
Além disso, os contrastes empregados durante o exame podem apresentar toxicidade para vários órgãos. Ocasionalmente, são observadas lesões renais. Essas alterações deletérias são proporcionais ao volume de contraste usado e têm relação direta com funções renais previamente diminuídas. Considerando que os pacientes com doença arterial periférica são pacientes idosos, com uma queda natural da função renal, o efeito colateral do contraste é muito danoso e prevalente.
Até o momento, há apenas uma revisão sistemática publicada, que se assemelha a esta, e que compara a UVD com arteriografia em pacientes com doença arterial periférica.
Essa revisão foi publicada por Collins et al. em 2007. Desde então, os critérios diagnósticos das lesões arteriais pela UVD passaram por modificações conceituais relevantes. Tais mudanças incorporam técnicas durante o exame que são necessárias para diagnósticos mais precisos. Além disso, as revisões sistemáticas de acurácia diagnóstica evoluíram em sua metodologia, buscando sempre minimizar os vieses. Novos estudos podem surgir após essa publicação e que podem contribuir com informações relevantes. O sistema arterial do membro inferior é bastante amplo, apresentando características próprias de cada região anatômica, o que torna necessário sua segmentação, em busca de resultados mais precisos.
Portanto, desde a publicação desse estudo decorreu um tempo razoavelmente longo, com mudanças conceituais e entendimentos importantes, tornando necessária a realização desta revisão para o conhecimento da acurácia diagnóstica da Ultrassonografia Vascular com Doppler em pacientes com doença arterial periférica.
4 MÉTODOS
4.1 Desenho de estudos
Esta é uma revisão sistemática com metanálise de estudos de acurácia diagnóstica, realizada de acordo com a metodologia prevista na Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Diagnostic Test Accuracy (Macaskill et al., 2010).
O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e registrada sob o número CEP:5383280317 (Anexo 1).
A revisão teve seu protocolo registrado, também, na base de registros internacionais de revisões sistemáticas – PROSPERO (International Prospective Register of Systematic Reviews) – com o título “Doppler ultrasound for arterial stenosis and occlusions in lower limbs chronic ischemia: systematic review”, no ano de 2018, sob o número CRD42017056299 (Anexo 2).
O PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-analyses: The Prisma Statement) foi usado como ferramenta para orientar a estruturação da revisão sistemática.
4.2 Local de pesquisa
Esta revisão sistemática foi desenvolvida na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), no Programa de Pós-graduação em Saúde Baseada em Evidências.
4.3 Critérios de elegibilidade para inclusão dos estudos
4.3.1 Tipos de estudo
Foram selecionados estudos que avaliam a acurácia diagnóstica da Ultrassonografia Vascular com Doppler para estenoses e oclusões arteriais em pacientes com doença arterial periférica, em comparação com o padrão de referência (arteriografia), sendo incluídos os estudos transversais e de coorte.
4.3.2 Tipo de participantes
A população do estudo constituiu-se de pacientes com doença arterial periférica sintomática dos membros inferiores, classificados nas categorias de 0 a 6 da Classificação de Rutherford e que foram submetidos aos dois métodos de exame, Ultrassonografia Vascular com Doppler e arteriografia (Rutherford et al., 1997).
A categoria 0, pacientes assintomáticos, refere-se à avaliação do membro contralateral assintomático quando os dois membros foram avaliados no mesmo paciente. Entendemos que a DAP acomete os membros inferiores sem preleção de lateralidade e que a manifestação clínica acontece de forma aleatória para um dos lados.
4.3.3 Critérios de exclusão dos estudos
Estudos de caso controle não foram incluídos já que, frequentemente, suprestimam a acurácia do teste na prática clínica (Rutjes et al., 2005).
4.3.4 Teste índice
A Ultrassonografia Vascular com Doppler foi o único teste índice considerado nesta revisão sistemática. Para tanto, durante a realização dos exames dos estudos primários, foram aplicados o Modo B, Modo Color Doppler e a Análise Espectral para cada uma das artérias analisadas em nossa revisão. A associação dessas três modalidades do teste índice permite a caracterização mais fidedigna e ideal do fluxo sanguíneo e o diagnóstico das estenoses e oclusões arteriais (Hodgkiss, Bandyk, 2013).
Não foram feitas restrições em relação às marcas de aparelhos, suas versões e datas de fabricação. Os transdutores empregados foram apropriados para a profundidade dos vasos estudados, sendo os transdutores lineares tradicionalmente usados para os vasos mais superficiais e os convexos para os vasos mais profundos.
4.3.5 Condição alvo
A condição alvo primária considerada neste trabalho foi a presença de estenoses arteriais hemodinamicamente significativas e a condição alvo secundária, as oclusões arteriais.
Consideramos como estenose hemodinamicamente significativa aquela com 50% ou mais de comprometimento do diâmetro do vaso. A partir desses valores, observou-se diminuição do volume de fluxo sanguíneo distal à estenose, quando consideradas as variáveis de volume e tempo.
As estenoses maiores e iguais a 50% foram diagnosticadas pelo aumento de velocidade demonstrada pelo modo da Análise Espectral. Para tanto, foram usadas as medidas de velocidade, aferidas no ponto de maior estenose, com aumento de pelo menos duas vezes em relação a segmentos proximais normais adjacentes às estenoses.
O diagnóstico das oclusões foi mostrado pela ausência de velocidade no modo de Análise Espectral. Não foram incluídas avaliações que utilizaram somente o Modo Color Doppler, menos ainda a ausência de pulsatilidade ao Modo B, que poderiam gerar falsos positivos para oclusão, devido à presença de calcificações intensas na parede arterial. As calcificações formam barreiras para as ondas de ultrassom e prejudicam tanto o Modo Color Doppler como a Análise Espectral, mas o Modo Color Doppler é mais suscetível a falsas interpretações para oclusão.
As artérias incluídas nas análises desta revisão foram: aorta abdominal infrarrenal; ilíaca (abrangendo ilíaca comum e externa); ilíaca comum individualmente; ilíaca externa individualmente; femoral comum; femoral profunda, femoral (em todo o seu trajeto); femoral em seus terços proximal, médio e distal; poplíteas supra e infra-articulares; tronco tibiofibular; tibial anterior; tibial posterior; e fibular.
Esta segmentação está fundamentada pelos dados observados nos artigos primários. Nesses, as artérias dos membros inferiores foram divididas como acima.
O sistema arterial do membro inferior é muito amplo, sendo necessária sua segmentação para uma melhor compreensão. Além disso, a posição anatômica é particular para cada uma das artérias. Dessa forma, trajetos arteriais em diferentes regiões torna variável a dificuldade de avaliação de cada um desses segmentos. Por exemplo, artérias localizadas em regiões mais profundas em relação à pele são mais difíceis de serem avaliadas e, portanto, podem alterar a acurácia do método.
O padrão de referência desta revisão foi a arteriografia. Esse exame é considerado atualmente o padrão referência para o diagnóstico de lesões arteriais em pacientes com doença arterial periférica.
Não foram considerados relevantes os modelos ou marcas de aparelhos e nem suas datas de fabricação. Também não foi considerado relevante o uso de subtração digital.
4.3.6 Métodos de pesquisa para identificação dos estudos
As buscas e atualizações foram realizadas nas seguintes bases eletrônicas: MEDLINE (via PubMed, desde 1946); Embase (via Elsevier, desde 1974); Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde e do Caribe – LILACS (via Biblioteca Virtual em Saúde – BVS, desde 1966); IBECS – Índice Bibliográfico Español en Ciencias de la Salud; Cochrane Central Register of Controlled Trials – CENTRAL (via Wiley Cochrane library, 2018, edição 11). Buscas adicionais foram feitas por registros nas bases Web of Science, World Helth Organization International Clinical Trials Registry Platform, ClincalTrials.gov e literatura cinzenta. As buscas foram realizadas em dezembro de 2018, com atualização em outubro de 2021.
Não houve restrições para datas, línguas ou status de publicação. Nenhum tipo de filtro foi aplicado para a seleção dos artigos. Foram utilizados termos adequados para cada base de dados pesquisada (Anexo 3).
- Pesquisa em outras fontes
Foram realizadas buscas manuais nas listas de referências de estudos incluídos, excluídos e revisões sistemáticas relevantes para o tema.
A seleção dos títulos e resumos foi efetivada, de forma independente, por dois autores (SD e WI). As referências selecionadas foram reavaliadas com leitura completa do texto pelos mesmos dois autores e, novamente, selecionadas para inclusão ou exclusão. Sempre que houve discordância, um terceiro autor foi solicitado para resolvê-la (FR). O software de seleção Rayyan QCRI foi utilizado para selecionar os estudos e operado sempre no formato blind, o que impedia um autor de conhecer o julgamento de outro (forma de cegamento).
Foi utilizado um formulário padronizado (Apêndice 2) por dois autores (SD e WI) que, independentemente, coletaram e extraíram os dados relevantes. As discordâncias foram resolvidas, de forma consensual, com o auxílio de um terceiro autor (RF).
Em caso de dados faltantes, pelo menos dois e-mails foram enviados para os autores dos respectivos artigos.
A avaliação da qualidade foi realizada por um dos autores (SVMD) e revisada por um segundo autor (RLGF). Os desacordos foram resolvidos por consenso ou, quando necessário, por discussão com um terceiro autor (WI) (Moher et al., 2009).
Foi utilizado o Quality Assessment of Diagnostic Accuracy Studies-2 (QUADAS-2) (Whiting et al., 2006; Whiting et al., 2011) como ferramenta de avaliação do risco de viés e aplicabilidade (Quadro 1). Este check-list consiste de quatro domínios: seleção apropriada dos pacientes; adequação do teste índice; adequação do padrão referência; e flow and timing (tempo entre a realização do teste índice e o padrão de referência, uniformidade na utilização do padrão referência e inclusão de todos os pacientes nas análises). Para os três primeiros domínios há avaliação de viés e da aplicabilidade. Para o flow and timing há somente a avaliação do risco de viés.
O check-list da ferramenta de avaliação mostra se o teste índice e o padrão de referência trazem informações suficientemente detalhadas para permitir replicação dos resultados. Além disso, verifica se o padrão referência e o teste índice foram avaliados de maneira independente e como foram reportadas as situações das perdas de seguimentos dos pacientes e os resultados conflituosos.
No presente estudo, fizemos três tipos de análises: estenoses maiores e iguais a 50%; oclusões; e o conjunto de ambas. Consideramos importante analisar as estenoses e as oclusões de forma individualizada, pois são duas situações diagnósticas distintas e com características próprias. Portanto, apresentam acurácias específicas. Além do que, para os casos com necessidade de revascularização, estenoses e oclusões impõem dificuldades diferentes e que influenciam na escolha da melhor estratégia de reperfusão do membro.
Em relação à divisão topográfica, realizamos as seguintes análises: cada uma das artérias propostas como unidade desta revisão; segmento acima do joelho; segmento abaixo do joelho e membro inferior inteiro. Definimos que a região acima do joelho compreende aorta abdominal infrarrenal até a poplítea infra-articular, incluindo-a. Como região abaixo do joelho, compreende-se o tronco tibiofibular, as artérias tibiais anterior e posterior e fibular. Optamos por considerar a poplítea infra-articular como região acima do joelho por ter semelhanças anatômicas, principalmente o diâmetro, mais próximas aos segmentos proximais do que distais.
A síntese dos dados foi realizada seguindo os conceitos do Capítulo 10 do Cochrane Hanbook for Systematic Reviews of Test Accuracy (Macaskill et al., 2010). Para os cálculos estatísticos foi utilizado o pacote “mada” do software “R Development Core Team” (R Project, 2018; Partlett, Takwoingi, 2016).
Apresentamos para cada objeto de análise deste estudo uma tabela de contingência 2 x 2, com os componentes da tabela – sendo eles: verdadeiro positivo (VP); falso positivo (FP); verdadeiro negativo (VN); e falso negativo (FN); – derivaram-se: sensibilidade; especificidade; razões de verossimilhança positiva e negativa (RV+ e RV-, respectivamente) (Tabela 2).
A razão de verossimilhança (RV) associa a sensibilidade e a especificidade para aumentar ou diminuir a probabilidade de ter uma doença, levando em consideração a prevalência da doença (probabilidade pré-teste) na população estudada (Ferreira, Patino, 2018). A fórmula para averiguar essa probabilidade é: odds pré-teste da doença x RV = odds pós-teste da doença.
Todo teste diagnóstico apresenta RV positivo (RV+) e negativo (RV-). A RV+ é a probabilidade de um resultado positivo em pacientes com a doença dividida pela probabilidade de um resultado positivo em pacientes sem a doença. Enquanto a RV− é a probabilidade de um resultado negativo em pacientes com a doença, dividida pela probabilidade de um resultado negativo em pacientes sem a doença. A RV+ é usada quando o resultado do teste vem positivo e RV- quando vem negativo. RV+ maior que 1 fortalece a presença da doença; quanto maior a RV+, maior será a probabilidade de que o resultado positivo do teste aumente a probabilidade da doença, sendo que a RV+ varia de 1 a infinito. RV+ igual a 1 indica que a probabilidade de resultado positivo do teste é a mesma para pacientes com e sem a doença. A RV− varia de 1 a 0, e quanto mais próxima de 0, menor será a probabilidade da doença.
Em uma forma prática de interpretar os valores de RV+ em relação às forças de evidências, considerando p<0,05 e probabilidade pré-teste de 50%, temos que: RV+ > 1 até 3,2 como sendo insignificantes; RV+ > 3,2 até 10 como limítrofes; RV+ > 10 até 32 como fortes; RV+ > 32 até 100 como muitos fortes; e RV+ > 100 sendo decisivos (Robert, Adrian, 1995).
A sensibilidade e a especificidade foram descritas como estimativas e utilizando intervalo de confiança (IC) de 95%, arredondado para o valor inteiro mais próximo. Montamos gráficos forest plots para apresentar dados de sensibilidade e especificidade para cada um dos trabalhos incluídos. Utilizamos esses valores para criar gráficos SROC (summary receiver operating characteristic). A metanálise da sensibilidade e especificidade foi realizada utilizando o modelo bivariado de efeito randômico, tendo em consideração a heterogeneidade esperada e inerente aos estudos de acurácia diagnóstica (Reitsma et al., 2005).
O gráfico SROC avalia o resultado da metanálise, a acurácia diagnóstica e a heterogeneidade dos estudos incluídos.
Num plano cartesiano, cada um dos estudos está representado por um círculo pequeno, sendo margeado pelo seu intervalo de confiança. Quanto mais à esquerda no eixo “x” e mais elevado em relação ao eixo “y”, maior é a acurácia do estudo primário.
Adicionalmente, observamos quanto o intervalo de confiança varia para sensibilidade e especificidade em cada estudo. Quanto mais ampla essa área, maior é o intervalo de confiança. O formato nos diz se há maior variabilidade do intervalo de confiança para a sensibilidade ou especificidade. Áreas de intervalo de confiança alongados no eixo “x” apresentam maior variabilidade para especificidade, enquanto áreas mais alongadas no eixo “y” indicam maior variabilidade para sensibilidade.
Além disso, podemos observar quais estudos mostram resultados semelhantes. Aqueles com resultados mais próximos, tendem a se localizar agrupadamente dentro do plano cartesiano, enquanto os que se afastam, representam resultados divergentes do grupo principal.
Por fim, analisamos o traçado da curva SROC, em que pode ser avaliado o resultado da metanálise da sensibilidade e da especificidade dos estudos incluídos. A linha contínua representa a síntese da inter-relação de sensibilidade e especificidade, conforme variamos cada um dos seus valores, sendo esta margeada por uma linha tracejada que representa o intervalo de confiança.
A heterogeneidade da sensibilidade e da especificidade foi avaliada visualmente. Além da análise visual, como recomendado pela Cochrane, optamos por trazer a representação numérica do I2.
As possíveis fontes de heterogeneidade para a sensibilidade e especificidade, para cada unidade de análise que faz parte desta revisão, foram consideradas para a formação de subgrupos levando em consideração critérios menores – auxiliares – para diagnósticos de estenoses e/ou oclusões arteriais, sendo eles: uso exclusivo do Modo B; uso exclusivo do Modo Color Doppler; análise do formato da onda espectral (monofásico, bifásico ou trifásico); tempo de aceleração e índice de pulsatilidade.
Foi planejado realizar análise de sensibilidade para cada unidade de análise desta revisão, investigando o efeito da exclusão de estudos com “incerto” e “alto risco” de viés. Para isso, levou-se em consideração cada um dos domínios que compõem a análise do risco de viés do QUADAS 2: Seleção dos Pacientes; Teste índice; Padrão Referência e Flow and timing.
- Análise do viés de publicação
Atualmente, não existe um método uniformemente aceito e validado para análise de viés de publicação no contexto de revisão sistemática em estudos de acurácia diagnóstica. Para minimizar esse viés, buscou-se ao máximo a literatura existente a respeito do objetivo desta revisão (Van Enst et al., 2014).
Os autores declararam não ter nenhum conflito de interesse financeiro relacionado a esta revisão sistemática. Declaram interesse básico científico e com a responsabilidade social atribuída a este estudo.
5 RESULTADOS
5.1 Resultado da busca
As buscas nas bases eletrônicas foram realizadas em dezembro de 2018, com atualização em outubro de 2021, com retorno de 2.833 referências. Após a remoção das duplicações, restaram 2.631 artigos. Após a leitura dos títulos e abstracts, 2387 estudos foram classificados como irrelevantes. Restaram para avaliação 244 estudos e, destes, 229 foram excluídos. Ao final, 15 estudos foram incluídos para análise quantitativa e qualitativa (Figura 1). As características dos estudos incluídos estão listadas na Tabela 1.
5.4 Avaliação do risco de viés dos estudos incluídos
Todos os trabalhos incluídos na revisão foram avaliados pelo QUADAS-2, e os seus resultados estão sumarizados nas Figuras 2 e 3.
Cinco estudos (33%) não incluíram na sua amostra uma seleção apropriada de pacientes e seis (40%) falharam em prover detalhes suficientes. Quatro estudos (27%) não classificaram os pacientes em relação a severidade da doença (assintomáticos, claudicantes ou isquemia crítica). Somente um estudo (7%) incluiu na amostra pacientes assintomáticos, o que correspondeu a 11% dos pacientes deste estudo. Dos estudos que relataram a severidade da doença, não foi possível realizar avaliação independente para pacientes assintomáticos, claudicantes e com isquemia crítica.
Todos os autores avaliaram o teste índice de forma independente dos resultados do padrão referência. Treze estudos (87%) tiveram o teste índice realizado por profissional devidamente qualificado e os demais estudos não reportaram dados suficientes.
Todos os trabalhos utilizaram como padrão referência a arteriografia. Sendo que seis estudos (40%) utilizaram a arteriografia uniplanar, sete estudos (47%) falharam em prover detalhes suficientes e os demais realizaram arteriografia biplanar.
Todos os estudos avaliaram o padrão referência de forma independente dos resultados do teste índice. Doze estudos (80%) relataram ter intervalo menor de um mês entre o teste índice e o padrão referência. Dois estudos (13%) não reportaram dados suficientes. Um estudo (7%) utilizou o intervalo de até 12 meses para comparação dos resultados.
Onze estudos (73%) não tiveram todos os segmentos propostos analisados nos resultados, sendo que a mediana dos segmentos não analisadas foi de 5%. As principais causas relatadas foram: limitação da quantidade de contraste devido às condições clínicas dos pacientes; amputações e impossibilidade de visualização de segmentos pela UVD.
5.5 Resultados da metanálise
Quinze estudos forneceram dados para a análise das dezesseis artérias propostas, resultando em 10.033 comparações entre o teste índice e o padrão referência. Cinco estudos primários fizeram análises independentes de estenose e seis estudos para oclusão, possibilitando metanálise de sete segmentos para estenose e sete segmentos para oclusão. Os demais estudos analisaram estenoses e oclusões associadamente com metanálise dos dezesseis segmentos propostos (Tabela 2).
Para a aorta abdominal, ilíaca comum, ilíaca externa, femoral profunda, poplítea (supra e infra-articular associadamente), tibial anterior, tibial posterior e fibular os dados só foram possíveis para metanálise de estenoses e oclusões associadamente.
A separação dos dados para os diagnósticos exclusivos de estenose e oclusão foram possíveis para: ilíaca; femoral (terços proximal, médio e distal); poplítea supra e infra-articular.
Os quinze estudos incluídos na revisão e seus respectivos segmentos arteriais foram utilizados para os agrupamentos em regiões acima e abaixo do joelho e para todo o membro inferior. Com esses dados, realizou-se a metanálise para os diagnósticos de estenoses, oclusões e estenoses e oclusões associadamente (Tabela 3). As tabelas que seguem apresentam as 39 metanálises realizadas.
5.6 Análise de heterogeneidade
A formação de subgrupos para análise de heterogeneidade para cada artéria avaliada apresentou número reduzido de trabalhos primários e, por isso, uma análise estatística não seria confiável (Macaskill et al., 2010).
No entanto, observamos grande heterogeneidade dos resultados quando foram realizados os agrupamentos das artérias para as análises de regiões acima e abaixo do joelho, e de todo o membro inferior. Assim como, quando as duas condições diagnósticas – estenoses e oclusões – foram consideradas como uma única condição diagnóstica ao avaliar uma mesma artéria.
5.6.1 Estenoses
Heterogeneidades foram observadas nas avaliações de sensibilidade para as artérias femoral nos terços proximal e distal e poplítea supra-articular, e de especificidade para as artérias femoral comum e poplítea supra-articular.
5.6.2 Oclusões
Heterogeneidade foi observada nas avaliações de sensibilidade para a artéria femoral terço proximal, e de especificidade para a artéria femoral terço distal.
5.6.3 Estenoses e oclusões
Heterogeneidades foram observadas nas avaliações de sensibilidade para aorta, ilíaca externa, femoral nos terços proximal e distal, poplítea supra-articular, tibial anterior e posterior, e de especificidade para ilíaca, ilíaca comum, poplítea, poplítea infra-articular, tibial anterior, tibial posterior e fibular.
6 DISCUSSÃO
6.1 Resumo dos principais achados desta revisão
Dentre as artérias avaliadas, a mais frequentemente analisada nos estudos primários incluídos foi a femoral e os segmentos que a compõem – femoral comum e femoral em seus terços proximal, médio e distal. Na sequência, foram as artérias ilíaca, poplítea, tibiais, fibular, tronco tibiofibular e aorta.
Baseados na metanálise de 10.033 artérias, em pacientes com doença arterial periférica, concluímos que a sensibilidade e especificidade da UVD para o diagnóstico de lesões arteriais (estenose e/ou oclusão) foi de respectivamente 0,86 (IC95%: 0,81-0,90) e 0,95 (IC95%: 0,90-0,97). Além disso, pela análise visual do forest plot, há maior heterogeneidade e intervalos de confiança mais amplos para sensibilidade do que para especificidade. (Figura 4).
Observando o gráfico SROC, notamos que os estudos primários se localizaram, predominantemente, no quadrante superior à esquerda, refletindo altos valores de sensibilidade e especificidade. Aqueles que mais se afastaram do grupo principal referem-se a estudos que analisaram as artérias tibiais anterior e posterior, e fibular; portanto com desempenho inferior aos demais. Para cada estudo primário, os intervalos de confiança foram maiores para sensibilidade, predominantemente, refletindo que o exame é mais específico do que sensível. Por fim, ao avaliarmos a curva SROC notamos que o intervalo de confiança está muito próximo da linha do resultado, sendo fruto da quantidade elevada de amostras comparadas (Figura 5).
Com os dados da nossa revisão demonstramos os valores de verossimilhança, sendo a RV+ de 17 e RV- de 0,1. Podemos utilizar estes valores para avaliar a acurácia diagnóstica do método na população em geral. Sabemos que, atualmente, a prevalência da doença arterial periférica é de 18% aos 50 anos e de 29% aos 70 anos. Transpondo esses valores para o Nomograma de Fagam, caso o exame tenha resultado positivo para a doença, observamos que a probabilidade pós-teste é de 80 e 87%, para as respectivas idades acima. E, caso seja negativo, a probabilidade pós-teste da doença é de 2 e 5%, respectivamente. Portanto, são números expressivos para confirmação ou exclusão diagnóstica através da UVD, justificando seu uso para complementação diagnóstica (Figuras 6 e 7).
Seguindo o que foi proposto no objetivo inicial, analisando separadamente as estenoses das oclusões, demonstramos a importância dessa decisão. Observamos que o número de falsos diagnósticos, soma de falsos positivos e falsos negativos, foi elevado quando estenoses e oclusões foram analisadas como se fossem uma única amostra. As oclusões tiveram mediana de 3% de falsos diagnósticos, as estenoses 5%, e estenoses e oclusões (associadamente) 10,0%. Diferença estatisticamente significativa quando comparada ao grupo de estenoses e oclusões analisados em amostras separadas. Não foi verificada diferença estatisticamente significativa em relação aos falsos diagnósticos entre as amostras exclusivas de estenoses e oclusões.
Ao considerarmos o diagnóstico exclusivo de estenose para todo o membro inferior, 1.436 comparações foram realizadas. Os resultados da metanálise mostraram sensibilidade de 0,85 (IC95%: 0,67-0,93), e a especificidade de 0,96 (IC95%: 0,92-0,98) (Figura 8).
Para o diagnóstico exclusivo de oclusões arteriais do membro inferior, foram realizadas 1.515 comparações. Os resultados da metanálise mostraram sensibilidade 0,90 (IC95%: 0,84-0,94) e especificidade de 0,98 (IC95%: 0,96-0,99) (Figura 9).
Apesar dos falsos diagnósticos não serem diferentes entre os grupos de estenoses e oclusões, observamos uma tendência de resultados com maior acurácia para os diagnósticos de oclusões. Notadamente pelos maiores valores de sensibilidade e especificidade, assim como pelos valores de RV+. Além disso, observou-se menor heterogeneidade de resultados entre os estudos primários.
Ao considerarmos os resultados de cada uma das artérias avaliadas, encontramos que as melhores sensibilidades e especificidades foram para oclusões das artérias poplítea supra-articular (93% e 99%, respectivamente) e poplítea infra-articular (90% e 99%, respectivamente). Já a pior sensibilidade (41%) foi para avaliação de estenose ou oclusão do tronco tibiofibular, e a pior especificidade foi para estenose ou oclusão da artéria fibular (64%).
Com relação ao segmento aorto-ilíaco, observamos que os dados foram mais disponíveis para avaliação da artéria ilíaca, especialmente quando os segmentos comum e externo foram analisados associadamente. Neste, os dados foram possíveis para estenose, oclusão, e estenose e oclusão. Notamos elevados resultados de especificidade, mas com valores menores para sensibilidade, apresentando acurácia diagnóstica semelhante à femoral em seu terço médio.
As artérias femorais, além de serem os segmentos com o maior número de comparações, também apresentaram resultados de acurácia diagnóstica relevantes. O segmento que apresentou maior acurácia diagnóstica foi o terço proximal da artéria femoral, seguido pelo terço distal e médio, femoral comum e femoral profunda.
As artérias tibiais anterior e posterior apresentaram resultados de acurácia diagnóstica superiores quando comparados com a artéria fibular. Sendo os resultados da tibial anterior mais significativos para confirmação da doença, e a tibial posterior com resultados mais relevantes para o afastamento. Todavia, de acordo com os dados da revisão, esse poder diagnóstico é limítrofe.
Ao separarmos as artérias em dois grupos, acima e abaixo do joelho, considerando estenoses e/ou oclusões, observamos uma sensibilidade maior para a região acima do joelho (82% a 94%) do que abaixo do joelho (41% a 87%). Já a especificidade mostrou-se semelhante em ambos os grupos, com valores de 94% a 98% acima do joelho e 90% a 98% abaixo do joelho.
Analisando os valores de RV podemos perceber o quanto a acurácia do exame difere entre as regiões acima e abaixo do joelho. Os valores de RV – tanto positivos quanto negativos – são de maior acurácia para a região acima do joelho do que abaixo do joelho, quando consideramos os diagnósticos de estenoses e/ou oclusões.
Ao considerarmos uma probabilidade pré-teste de 29%, correspondente à população com idade maior ou igual a 70 anos, caso o resultado do exame seja positivo, temos um probabilidade pós-teste de 96% (IC 95%: 89-98%) para a região acima do joelho e de 78% (IC 95%: 48-88%) para a região abaixo do joelho. Caso o resultado do exame seja negativo, a probabilidade pós-teste é de 3% (IC 95% 2-3%) para a região acima do joelho, e de 11% (IC 95%: 4-25%) para a região abaixo do joelho (Figura 10).
Concluindo, para a região abaixo do joelho, caso o exame seja positivo para a doença, o intervalo de confiança nos mostra que temos uma probabilidade pós-teste variando entre 48 e 88%, resultado que não ajuda para confirmação diagnóstica. Mas os resultados são mais significativos para a exclusão da doença, pois caso o exame seja negativo, o intervalo de confiança da probabilidade pós-teste varia de 4 a 25% (Figura 11).